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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DO IMAGISMO: a) ALEGORIAS; b) DUAS FONTES DE IMAGENS: O VENTO E AS PLANTAS [NA POESIA DE CASTRO ALVES”

 

                            Por  ANTONIO DE PÁDUA

 

Extraído de:

PÁDUA, Antônio deAspectos estilísticos da poesia de Castro Alves.   Rio de Janeiro: Livraria São José, 1972.  75 p.  13x19 Cm. Índice: Advertência; I) Os polos semânticos do vocabulário: palavras de clamor e de arrulho; II) Do imagismo: a) alegorias; b) duas fontes de imagens: o vento e as plantas; III) Matizes expressivos da repetição. Ex. col. Biblioteca Nacional de Brasília, doação Marly de Oliveira. 

 

a)      Alegorias

 

1.      É inegável que alguns retoricistas modernos, alargando extremo o conceito de alegoria, acabaram por torna-la (como diz Todorov num capítulo de La Litterature Fantastique) numa espécie de “forre-tout”, de super-figura, na qual se enquadram quase todas as construções linguísticas, cujo sentido literal apenas apresenta, de forma simbólica e por analogia, uma realidade ou uma abstração. Não tenciono aqui discutir o assunto; quero adiantar tão somente que essa confusão conceitual talvez se explique por haverem dado o mesmo nome a dois processos artísticos semelhantes, mas na verdade distintos; foi  que deu origem à existência de uma alegoria-figura, e de uma alegoria-composição ou gênero, que pertence à literatura e também às artes plásticas.
         Neste trabalho, é da primeira que trataremos, entendida consoante aquela definição de limites mais claros que lhe deram os antigos, a saber: uma metáfora desenvolvida, continuada; como a define, por exemplo, Hennequin em seu Nouveau Cours de Rhéthorique: “L´allégorie n´est que la metaphore soutenue et continuée; la metaphore soutenue el continuée, la metaphore ne porte que sur unmot, et ne presente qu´une iage: l´allégorie étend, developpe la metaphore, et acumule les images relatives au même objet et dependentes de la meme metaphore”.

 

2.      Por sus extensão e complexidade, a alegoria requer maior esforço imaginativo do que a metáfora; enquanto esta compreende uma única analogia, aquela há de abranger várias analogias que se sucedem encadeadas. Sirva-nos de exemplo a estrofe inicial do Navio Negreiro:

 

         E as vagas após ele correm... cansam
         coo turba de infantes inquieta.

 

         ENTRA FIGURA

 

         Suponho — é uma questão que pertence aos domínios a psicologia da imaginação estética — que o poeta descubra as analogias de modo simultâneo, em conjunto, e não que asa vá descobrindo sucessivamente.

3.       Possui Castro Alves o mais rico e colorido repertório imagístico de nossa poesia romântica, e há nele estimável número de criações alegóricas.
         Umas, como que demos acima, se apresentam na forma mais simples de alegoria, isto é, são constituídas de dois ou três pares de elos analógicos; outras têm encadeamento mais extenso.
         Apreciemos os exemplos.
         — Na vigorosa página descritiva que é A queimada, ele imagina ser a chama uma

                                             ... jiboia informe
         que no espaço vibrando a cauda enorme
                   ferra os dentes no chão...;

 

e que as matas — o animal preso e estortegado por ela —

 

         espadanam o sangue das cascatas
                   do roto coração!...

 

         — No poema Prometeu, o semideus supliciado encarna o povo eternamente oprimido:

 

         Povo! Povo infeliz! povo mártir eterno,
         tu és do cativeiro o Prometeu moderno...
         enlaça-te no poste  cadeia das leis,
         o pescoço do abutre é o cetro dos maus reis
                           

         — Na Saudação a Palmares, o heroico quilombo transfigura-se em ousada

 

                   ... barca de granito,
         que no soçobro infinito
         abriste a vela ao trovão,
         e provocasse a rajada
         solta a flâmula agitada,
         as hurras da marujada,
         nas ondas da escravidão

                                              149

 

 — Já noutra poesia — Quando eu morrer —, a alegoria marítima (aliás de origem mitológica) toma feição mortuária, ultrarromântica: e o cemitério é a

 

                   ... nau do sepulcro...
         Que povo estranho no porão profundo!
         Emigrantes sombrios que se embarcam
         para as plagas sem fim do outro mundo.
         Têm os fogos errantes — por Santelmo,
         têm por Velame – os panos do Sudário...
         Por mastro — o vulto esguio do cipreste

                                                                     227

 

         — Na primeira estrofe do poema Aos estudantes voluntários, Castro Alves renovou, por inversão antropomórfica, algumas velhas imagens, e estruturou-as numa interessante alegoria do pensamento, palavra e ação:

 

         O céu é alma... O relâmpago
         é uma ideia de luz,
         que pelo crânio do espaço
         perpassa, brilha, reluz...
         Depois, o trovão — é o verbo.
         Segue-o o raio — gládio acerbo
         que se desdobra soberbo
         pelos paramos azuis

 

         No poema A cachoeira de Paulo Afonso, é graças a um belo e original desdobramento alegórico, que a personificação da tarde se anima, assume caráter cênico:

 

         Hora meiga da tarde! Como és bela
         quando surges do azul da zonal ardente!
         — Tu és do céu a pálida donzela
         que se banha nas termas do oriente...
         Quando é gota do banho cada estrela,
         que te rola da espádua refulgente...
         E — prendendo-te a trança a meia-lua —
         te enrolas em neblinas seminua!...

 

         — Ainda nesse mesmo poema se encontram, a meu ver, as duas mais belas alegorias do poeta: uma é da cachoeira, imaginada, num quadro de magnífica força épica, como a luta entre a sucuriúba monstruosa — o rio, e o touro negro — os rochedos por onde a água se despenha:

 

                  ... dir-se-ia que a caudal gigante
                  — larga sucuriúba do infinito —
                   com as escamas das ondas coruscante,
                   ferrara o negro touro de granito!...
                   Hórrido, insano, triste, lacerante,
                   sobe o abismo um pavoroso grito...
                   E medonha, a suar, a rocha brava
                   as pontas negras na serpente crava!...

 

         Repare-se no admirável achado das metáforas finais: a rocha brava a suar e, sobretudo, essas pontas negras, isto é, os chifres dos rochedos que se cravam na água.
         A segunda alegoria vem no final do poema, no diálogo entre o escravo Lucas e sua companheira, enlouquecida pelo sofrimento. Ao passo que ele, apavorado, vê a morte próxima, pois a canoa já se abeira do precipício, Maria delira, imaginando que se apronta, e encaminha para o casamento...  A alegoria representa o seu delírio:

 

         — “Não vês os panos d´água como alvejam
         nos penedos? ... Que gélido sudário
                   o rio nos talhou!”

 

         Isto diz Lucas; e ela, na antítese de sua loucura divina:

 

                   — “ Veste-me o cetim branco do noivado...
                            Roupas alvas de prata... alventes dobras...
                                      Veste-me! ... Eu aqui estou! ...”

                  — “Já a proa espadana, salta a espuma...”
                   — “São as flores gentis da laranjeira
                                      que o pego vem nos dar...
                       Oh! névoa! Eu amo o teu sendal de gaze! ...
                       Abrem-se as ondas como virgens louras
                                      para a esposa passar!...”

                   “As estrelas palpitam — são as tochas!
                   Os rochedos murmuram!... são os monges!
                                      Reza um órgão nos céus!
                   Que incenso!... os rolos que do abismo voam
                  Que turíbulo enorme — Paulo Afonso!
                            Que sacerdote — Deus...”

 

         Deixei para o fim a referência ao mais longo encadeamento de metáforas que se encontra em Castro Alves; ele compõe o borddo imagístico da poesia Rezas, cujo tema, aliás muito grato aos românticos, é a prece universal das coisas e dos brutos ao Deus Criador, e que o poeta escuta

 

                   Na hora em que a Terra dorme
                   enrolada em frios véus...

          Primeiro, para iluminar o templo,

                   acendem-se os bentos círios
                   dos vagalumes sutis!

 

         E, como atos de contrição da alma da natureza,

 

                   Nos boqueirões há soluços...             
                   tem remorso o vendaval

 

         O mar é como um velho que se atira humildemente

 

                                      ... de bruços
                   co´as barbas pelo areal

         Lá no alto do céu — “claustros ermos e vãos” —,

                   as nuvens ajoelhadas
                   .....................................

                   passam as contas douradas
                   das estrelas pelas mãos.

 

         Nem falta, em meio à seriedade religiosa da cena, a graça irreverente da inocência , pois

 

                   a açucena, por criança,
                   junta os dedos... reza e ri!

 

         Enquanto a música do sagrado ofício ressoa na

 

                   ventania que emboca
                   pela serra colossal.
                   É organista que toca
                  nos sifões da catedral.

 

         E, no momento do mea culpa, mea maxima culpa,
                  
                   Quem sabe se catadupa
                   bate nos peitos do chão?

 

 

         b) Duas fontes de imagens.
                  
         1º. As plantas.

 

                  I,. Comparar a mulher a uma flor talvez seja o mais velho e natural dos elogios da poesia amorosa.
         Lemo-lo, por exemplo, no lírico Maleagro (epigrama 143, da Antologia Grega):

         “Já floresce a violeta branca, abre-se o narciso, à beir d´água, e os lírios nas montanhas; porém a mais amável de todas, a flor mais viçosa aberta entre as flores, Zenófila, desabrocha como uma rosa e exame o seu perfume.”

         Dezoito séculos mais tarde, Mallarmé, o príncipe do Simbolismo, dirá da sua virginal, fria e solitária Herodíade:

 

         Triste fleur flleur qui croit seleu et n´a pas d´autre émoi
         que son ombre dans l´eau vue avec atonie...   

     

Longe no tempo, o hebreu Salomão (se é que foi ele) assim cantou a sua amada misteriosa:

 

         Bem como é a açucena entre os espinhos,
         tal é a minha amiga entre as filhas
.

 

         E o nosso Castro Alves, por coincidência também a uma judia — Ester —, uma das duas irmãs que namorou:

 

                  Lírio dest´alma...
                            1º., 281

 

         Essa mesma Ester, na poesia Pensamento de Amor, é

 

                  rosa branca da lira de Davi...
                           
1º., 283

 

         Sua irmã Simi, imortalizada na Hebreia, é uma

 

                   pálida rosa da infeliz Judeia
                                                        
1º., 40

 

                  ramo de murta a rescender cheirosa
                                                         1º., 40;

 

         A atriz Eugênia Câmara, a flor que  o poeta mais amou, e que perdeu:

 

                   Vai, pois, ó rosa, que em meu peito outrora
                   acalentei a suspirar e a rir...
                   Deixas minh´alma como um chão deserto...
                                                        
1º., 305

         Agreste, sem nome, é aquela

 

                   mucama tão bonitinha
                   morena flor do sertão
                                                        
2º. 174

 

         como a moça munda é a

                  bela flor das salas...
                                              
         1º. 373


         A retraída Agnese Murri, cantora italiana, que prece tê-lo amado, mas sem dar mostras de afeto, ele chamou simbolicamente

 

                   casta, suave, serena Violeta

 

         Simbólico igualmente é aquele belo vocativo, com que o poeta, sentindo-se morrer, chama por uma amante qualquer, consoladora e anônima, um corpo sem afeto, um flor bonita e sem perfume:

 

                   Vem! Formosa mulher, camélia pálida,
                   que banharam de pranto as alvoradas
                                                        
1º. , 55

         A mulher pérfida e maligna os poetas românticos simbolizavam namacenilha (ou mancinela), árvore euforbiácea, cuja sombra envenena e mata, segundo a crença popular:

 

                   Errado viajor — sentei-me à alfombra
                   e adormeci da mancenilha à sombra
                             em berço de setim

                                                         1º., 66

         Cf. F. Varela, 1º., 209:

 

                   “A mulher sem amor é mancenilha
                   das ermas plagas sobre o chão crescida;
                   basta-lhe à sombra descansar uma hora,
                   que seu veneno nos corrompe a vida.”

 

         Se a mulher amada é flor, o amante se torna em aragem que a envolve  e acaricia:

 

                  Eu fui a brisa — tu me foste a rosa

 

         Lírio, rosa, murta, camélia, violeta... Há, porém outras flores humanas no jardim poético do nosso Romantismo:

 

                   Tu és a dália dos jardins da vida...
                                                         (Varela)


                   Era a magnólia aberta e rescendente...
                                             
(A. Braga)

 

                   Tu és o bogarim: querem-te as brisas...
                                              
(Bruno Seabra)

 

         Até mesmo o nome amado pode não se compor de letras ou sílabas, senão de pétalas:

 

                   eu desfolhava de teu nome as pétalas
                   ao salso vento que as marés afaga...

                                               1º. 375

 

        

                   2.  Se por simbolização os poetas transfiguram a mulher numa flor, é comum também formarem com elementos do mundo vegetal as imagens com que descrevem os atributos físicos femininos.
         Da bela Agnese Murri disse C. Alves que tinha

 

         a alma feita de um astro! ... e o corpo, de um jasmim
                                                                           
1º. 141

 

         Os cabelos negros da “formosa Pepita” lembrava-lhe a sombra, o perfume e o mistério das florestas:

 

         na selva sombria de tuas madeixas   
                                              
1º., 48

 

         Aliás, imagem semelhante já havia ocorrido a Baudelaire, que, como o nosso romântico, tinha especial atração pela cabeleira feminina, e, no poema “La Chevelure”, chamou-a de “floresta aromática”:

 

         La langoureuse Asie et la brulante Afrique,
         tout u monde lointain, absent presque défunt,
         vit dans tes profundeurs, forêt aromatique…  

       

         Cf. também, L. Guimarães Junior:

 

Tranças — ai! tranças formosas!
Cabelo puro e anelado!
Tão negro, tão perfumado
Como as matas tenebrosas.
         
(Sonetos e Rimas, 147)

 

         Para as tranças e os cachos a imaginação poética também encontrou símiles nos vegetais:

 

                  os cabelos caíam-lhe anelados
                   como doudos festões de parasita
                                                       
2., 134

 

                   eram-lhe as tranças a cair no busto
                   os esparsos festões da granadilha

                                                         2., 190

 

         E noutro lugar, por inversão antropomórfica, fala das

                   tranças mulheris da granadilha
                                                         2., 1973

 

         A carnação alva e macia dos seios, que, segundo Gonçalves Dias, é feita “de brancos jasmins”, e para Sousândrade se abre em “esplendores açucenais”, para C. Alves

                   ... a maciez dos lírios               
                                     
1., 363

 

         As flores vermelhas, mais comumente a rosa, é que pintam poeticamente a boca; na imagem de C. Alves, além da cor e do perfume, acresce ainda a doçura...

 

                   beber o mel na rosa dessa boca
                                                        
1., 452

 

         E em contrapartida

 

                   ... a natureza fala nas campinas
                   pelas vozes das brisas suspirosas,
                   pela boca rosada das boninas

                                                         1., 361

 

         Os braços em movimento amoroso são comparados aos cipós:

 

                                     seus abraços
                   -----------------------------------
                   são lianas que festejam
                   os galhos do piquiá
                                     
1., 466

 

         Cf. Sousa Andrade, 2., 63:

 

                   teus braços enlaçavam qual baunilha
                   ao tronco da palmeira...;

 

         e num romântico menor, se não me engano, Bruno Seabra:

 

                   teus braços me apertam,
                   são laços de imbé...

 

         Os olhos, que as lágrimas orvalham, inspiraram ao nosso poeta esta imagem madrigalesca:

                   Silvia! Dá-me a bebe a gota d´água
                   nessa pálpebra roxa como o lírio
                                              
1., 233

         3. Em contraste com a beleza e o viço floral da mulher amada, o poeta figura-se a si mesmo como um vegetal que se fana, ou é triste por simbolismo tradicional:

 

                   há flores tristes, que nascendo à noite
                                      só tem o açoite
                                      do cruento sul,
                   e sem que um raio lhes alente a seiva
                                      rolam da leiva
                                      do seu vil paul...
                   Eu sou como elas...
                                                        
1., 27

 

                   sou o cipreste, qu´inda mesmo flórido
                   sombra de morte no ramal encerra

                                                         1., 56

 

         Vivem as plantas do sol e da água; o poeta, da criatura amada; ele é o que aquece;

 

                   minh´alma é planta aquecida
                   nos teus sorrisos de mulher...
                                              
         1., 447

 

         e o reanima, quando ferido pela dor:

 

                   eu sou o lótus para o chão pendido
                   — vem ser o orvalho oriental, brilhante...

 

         Se o tempo e o sofrimento passaram dentro de nós deixando tudo em ruina, podemos comparar-nos, como fez C. Alves a um

 

                   ... jardim solitário! relíquia do passado!
                  Minh´alma, como tu, é um porque arruinado...
                                                                  1., 138

 

         E nas ruinas d´alma, acrescentou noutra poesia, só uma planta

 

                   ... cresce, o caro — a morte —
                                               1., 223

 

         Mas, felizmente há sempre a esperança da primavera, ou antes, do amor, e tudo refloresce outra vez:

 

                   o tronco morto, refloriu de novo,
                   ergueu-se vivo, perfumado em flor,
                   abençoando a primavera amiga,
                   a primavera do meu santo amor.
                                              
1., 303

 

         E, então, lhe é dado

 

                  juntar as rosas da vida
                   na rama verde e florida,
                   na verde rama do amor.
                                               1., 161

 

         4. Flores e plantas, ou pela sua pureza, ou pelo seu encanto, simbolizavam igualmente as épocas da vida:

 

                   eu não quero lauréis — quero as rosas da infância
                                                                                    
1., 137

                  ... os vergéis da adolescência...
                                                        
1., 79

 

                   assim, minh´alma, um dia adormeceste
                   na floresta ideal da ardente mocidade...
                                                                 
1., 212

 

         Mas a floresta dos perigos e descaminhos, essa é que melhor se assemelha a nossa existência:

 

                   Que importa os raios trovejem
                   nas florestas do existir?

                                                    1., 273

 

                   Aliás, esse metáfora já está no Dante, nos versos iniciais do Inferno:

 

                  “Nel mezzo del camin di nostra vita,
                   Mi ritrovai per una selva oscura
                   Che la diritta via era sumarrita...”

 

         5.  No poema Melancholia, um dos mais belos das Contemplations, disse Vitor Hugo que “as noites e os dias são folhas mortas dos céus”:

 

                   “et les nuits et les jours, feuilles mortes des cieux...”,

 

imagem , que se assemelha esta de C. Alves:

 

                   Tenho saudades de meus dias idos
                  — pet´las perdidas em fatal paul —
                   pet´las que outrora desfolhamos juntos
                   morenas filhas do país do sul...
                                                                 
1., 131

 

         Por sinal que as folhas caem, ou rolam no chão levadas pelo vento, aparecem com frequência na temática não só do Romantismo, como do Simbolismo. Está, por exemplo, na estrofe final daquela célebre e melancólica Chanson d´automne, de Verlaine:

 

                   Et je m´en vais
                   au vent mauvais,
                            qui m´emporte
                   deçà, delá
                   paréil a la
                            féuille mort...

 

         E, em Castro Alves, nas palavras tristes da escrava diante do filhinho adormecido, cujo destino ela teme:

 

                   Meu filho dorme... Como ruge o norte
                   nas folhas secas do sombrio chão!...
                   Folha dest´alma, como dar-te à sorte!
                   É tredo, horrível, o feral tufão!
                                                                 
2., 45

 

         6.  Toda a nossa vida interior — ideias ou sentimentos — constitui uma estranha e maravilhosa floração; e como tal a representa a imaginária poética;
         — a fantasia e o sonho:

 

                  Almas, que um dia no meu peito ardente
                  derramastes dos sonhos a semente,
                            mulheres que eu amei!
                                                                 
1., 182;

 

                   ... abria a fantasia a pétala celeste...
                                                                 
1., 212

 — a inspiração e a poesia:
                  
                   E como o cactos, desabrocha a medo,
                   das noites tropicais na mansa calma,
                   a estrofe entreabre a pétala mimosa
                   perfumada da essência de sua alma
                                                        
1., 204

 

                   Senhora, eu vos dou versos, porque apanho
                   das flores d´alma um ramalhete agreste,
                   e são versos a flora perfumada
                   que do meu seio a solidão reveste
                                                        
1., 360;

 

 — a inspiração épica, esta tem que ter

 

                             um plectro bizarro e majestoso,
                   alto como os ramais da sucupira
                                                        
1., 241

— um segredo de amor, que vive

 

                  oculto ao mundo como a flor silvestre
                   escondida no vale a vicejar...
                                                                 
1., 262;

 

         7. São comuns as imagens fitomórficas do céu e dos corpos celestes; quem não se lembra, por exemplo, daqueles belos versos de Camões:

 

                   e as estrelas no céu apareciam,
                   qual campo revestido de boninas...

 

         Colhi estas em nosso romântico:

 

                            ... o cálice azulado
                   — da etérea flor, à noite, debruça-se p´ra o mar...
                                                                           
1., 302

                   Vem! os astros emurchecem...
                   Só resta um deles nos céus...
                   Seus raios grandes parecem
                   as pétalas da magnólia...
                   É a estrela que se esfolha
                   quando a noite diz adeus
                                              
1., 466

 

                   A estrela sai das folhas do infinito...
                                              
1., 231

 

         2º ) O vento.

 

         Quando atrás estudei os polos semânticos do vocabulário de Castro Alves, tive a ocasião de dizer que a palavras vento (ou vendaval, ventania, tufão...) era uma de suas favoritas. Aliás não é difícil entender que houvesse uma afinidade cósmica entre essa força da natureza, de notável significação mítica, e o espírito inquieto e impetuoso do poeta; e por isso, decerto, é que ela aparece com tanta frequência em seu imagismo, sobretudo como componente metafórico.


         a) Por animização estética (vestígio, quem sabe? Do antropomorfismo primitivo), os poetas ouvem no vento uma voz da natureza. Que o testemunhe um deles, o romântico Shilley, nestes versos dedicados ao sem contemporâneo morto Coleridge:

 

                  Conversavas com os ventos da montanha,
                   com as fontes murmurejantes,
                   com os mares enluarados,
                   que são todos uma voz misteriosa...

 

         E o vento lhes soa quase sempre como voz triste e lamentosa: é gemido e soluço, como nestes passos de Castro Alves:

 

                   nos abetos da serra a ventania


                   tinha gemidos longos, delirantes                 
                                                        
1., 190

                   e como único lamento
                   passa rugindo o tufão
                                         
2., 9-

                   e as ventanias errantes,
                   pelos ermos perpassando,
                   vão-se ocultar soluçando
                   nos antros da escuridão
                                        
2., 92

 

                   escutando as ventanias
                   vagas, tristes profecias
                   gemerem na escuridão
                                       
2., 163

 

         Mas quando a floresta ou o universo aparecem aos olhos do poeta transfigurados num templo, o vento — é uma voz a rezar —

 

                  Vem! nós iremos na floresta densa
                   onde na arcada gótica suspensa
                            reza o vento feral
                                              
         1., 73

 

         — ou evoca os sons do instrumento sagrado:

 

                   a ventania — é o órgão que enche a nave extensa...

 

         No Navio Negreiro também é música, juntando-se ao fragor das ondas, como violinos da sinfonia marítima:

 

                   orquestra — é o mar que ruge pela proa      
                   e o vento que nas cordas assobia...

 

         b) Num trabalho clássico sobre a imaginação, o psicólogo Dugas (L´Imagination, Paris, 1903),  observ: “ L´imagintion, em um mot, parait être panthéistique de sa nature.  Elle n´admet qu´il ait deux mondes: l´um gouverné  par des lois naturelles, l´autre, par les lois de l´esprit. La nature du même univers, de la même nature.”.  E esse caráter panteísta — tão acentuado na imaginação poética —, se por um lado tende a projetr sentimentos humanos na natureza, por outro, assimila fenômenos e aspectos desta última ao seu psiquismo.

         Assim, por exemplo, nestas imagens de Castro Alves, em que o vento é a voz confusa, só por ele ouvida, a elevar-se das multidões:

 

                   zombam do bardo atento,       
                   curvo ao murmúrio do vento
                            nas florestas do existir

                                                         1º., 111

 

         Ou naqueles em que é símbolo dos sentimentos que agitam e transtornam a alma humana, dos infortúnios que sobre ela se agitam. — Esta metáfora aparece em quase todos os românticos:

 

                   E um dia o vendaval do desengano
                   varre-lhe as flores do jardim da vida

                                      Casimiro, 348

 

                   E fiquei só mundo, e o céu escuro
                   sinistro me anuncia no futuro
                   horríveis vendavais
                                     
Franco de Sá, 58

 

                   o tufão da descrença desvairou-se
                   por desertos sem fim...

                                      Bernardo Guimarães, 47

 

                   o lago interior de um peito virgem     
                   que os ventos da paixão não agitaram

                                      Gonçalves Dias


 E em Castro Alves:

 

                   Mas quando os vendavais rugindo passam n´alma,
                   quem pode resguardar a pálida lanterna?

                   bem sei que um dia o vendaval da sorte
                   do mar lançou-me na gelada areia...

                                      1º., 35

 

e o ser humano é então a árvore ou o pássaro castigados pela fúria do vento:

                   ave — te espera da lufada o açoite...

                                      2º. 45

                   palmeira — as ventanias te romperam
                                     
2º., 207

                   eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno
                   em seu seio escondi-me... como à noite
                   incauto colibri, temendo o açoite
                            das iras do tufão
                   a cabecinha esconde sob as asas

                                      1º., 168

         Da analogia estabelecida entre vento e castigo, se originou a imagem

açoite do vento, que vemos neste último exemplo, e ainda aqui:

 

                   minha garupa sangra, a dor poreja
                   quando o chicote do simum dardeja
                            o teu braço eternal

                                      2º., 141


        
A morte é golpe de vento frio que apaga a chama da vida:

 

                                               fria rajada     

                   sinto que do viver me extinga a lampa...

                                      1º., 57

 

         Nos poemas de conteúdo épico-social, o vento simboliza a força destruidora do povo rebelado:

 

                   Esperar, mas o quê?  que a populaça          
                   — este vento que tronos despedaça...
                                     
2º., 166

 

Ou o impulso irresistível do heroísmo:

 

                   trema o céu de trovões carregado
                   ao passar da rajada de heróis
                                     
2º., 74

 

         É por ele que os escravos dos Palmares mandam o seu desafio guerreiro:

 

                   lança o grito da livre coorte,
                   lança, ó vento, pampeiro da morte,
                   este guante de ferro ao senhor

                                      2º., 72

 

 

         c. Mas também são muitos os aspectos favoráveis e benéficos do vento: por exemplo, quando carrega e dispersa o pólen, ou quando nos traz de longe o aroma das plantas. Daí dizer Castro Alves:

 

                   P´ra nós o vento da esperança
                   traz o pólen do porvir

                                      2º., 26

 

ou ainda, que outrora

 

                   o pó da catequese aos quatro ventos
                             revoava nos céus...
                   Floria após na Índia, ou na Tartária,
                  No Mississipe, no Peru, na Arábia,
                            uma palmeira — Deus!

                                      1º., 115

 

         Possivelmente, a associação entre vento e lembrança, que se contém na seguinte metáfora:

 

                   Oh! meu amigo! neste doce instante
                   o vento do passado em mim suspira

                                      1º., 168

 

 Proveio da eu é feita, no início da poesia, entre a saudade e “um perfume de longínquas plagas”,

 

         Alvares de Azevedo fala em “ brisa da saudade

                                                         (2º, 121)

 

         Aliás, noutro lugar, C. Alves faz uma curiosa imagem para misturar o vento e o perfume:

 

                   o vento campesino bene ardente
                   o agreste aroma da floresta virgem

                                      2º., 133

 

 

         d. Vejamos agora, para terminar, as imagens zoomórficas relativas ao vento, e que constituem de certo modo um processo de animação.
         Todas a mitologias divinizam os ventos como seres alados, e a poesia conservou vestígios disso em metáfora como as asas do tufão (G. Dias, 1º., 324), nas asas de noturnos ventos (F. Varela, 3º., 324), asas da tempestade (Laurindo Rabelo, 31).

         Mas em Castro Alves, neste particular, só encontrei a imagem ultra-romântica, noturna, do vento comparado a um cão que uiva:

 

                   Não ouvis? a ventania
                   ladra à Lua como um cão
                                      1º, 64

 

                   uiva o tufão nas dobras do seu manto,
                   como um cão do senhor ulula aos seus pés;

                                      1º., 102

 

ou que agarra as vestes de alguém:

 

                   Cavaleiro, onde vais? Tu não sentes
                   teu capote seguro nos dentes
                   e nas garras do negro tufão?

                                      2º., 80

 

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